24.9.07

Frutos da Mornidão

Texto extraído do suplemento Folhateen da Folha de S.Paulo, dia 24/09/2007.

Eu tenho tesão pelo anticristo

MAYRA DIAS GOMES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Únicos momentos podem formar a personalidade e o caráter de uma pessoa -existem instantes dos quais não podemos nunca escapar. Principalmente quando acontecem na infância, época em que começamos a descobrir o mundo, o mundo que nunca é como acreditamos ser quando nossa maior preocupação é brincar.
Pois foi aos 13, quando Brian Warner ainda não se chamava Marilyn Manson, que conheceu o significado da palavra "perversão", que veio aliado com a primeira impressão significativa do sexo.
O Inferno para ele era o porão de seu avô, imundo, misterioso: roupas femininas, vaselina, latas de tinta que continham filmes pornôs, um espelho no teto, vibradores e fotos de mulheres com animais. Até que conseguiu ver nitidamente como Jack Warner se masturbava lá dentro e saiu apavorado, sentindo-se obrigado a contar para a família.
Não foi coincidência que a cachorrinha de Brian apareceu morta, envenenada. Até o menino virar o alter-ego, muita água rolou e anos se passaram na escola cristã em que estudava, sendo aterrorizado pela chegada do fim do mundo e do anticristo. A vida era apresentada a ele sem brechas para interpretação, como fatos inegáveis ordenados pela Bíblia.
Porém, por nunca ter temido o bicho papão que vive debaixo da cama, tornou-se o mesmo. O monstro que temem é o que criaram. Garoto-propaganda do medo, Manson descobriu que Deus e demônio são duas palavras, como Marilyn e Manson. Montado para atacar os que vivem da hipocrisia, é seguido por uma legião que não atura o falso moralismo, a banalidade, a ignorância e os mandamentos do cristianismo.
Como a maioria das mães, a minha não entende o porquê de eu ser uma dessas seguidoras que se excita quando a imagem desse homem aparece na tela.
Pois é dentro das portas trancadas do meu quarto que ouço sua música e sinto vontade de me tocar lá embaixo. A irreverência de Manson desperta a contradição que há em mim, os sentimentos enjaulados no meu corpo, o ódio que sinto pela impostura. E é no meio desse sentimento de revolta que surge meu tesão, da mesma forma que o homem ficava ereto com a descoberta no porão do avô.
Os sentimentos reprimidos se libertam e é na vontade de berrar letras como "Fight, fight, fight!" ou "We're the nobodies/ Wanna be somebodies!" que tenho fantasias sexuais obscuras.
Eu grito e gemo porque nunca pertenci, porque não quero pertencer e porque sei que falo por todos os freaks desse universo. Aqueles que estão a fim de bagunçar a falsidade, de cuspir na cara do sistema, de assumir que existe prazer no que é proibido, condenado.
O homem e o mito chegam ao Brasil nesta semana para causar um pouco de discórdia entre os pais que abrigam paquitas e monstrinhos vestidos de preto. Chegam para, quem sabe, inspirar um pouco de revolta nessa juventude inerte. Chegam para, se eu tiver sorte, me levar para a cama. Meu namorado amado que me desculpe.
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MAYRA DIAS GOMES, 19, é autora do romance "Fugalaça" (ed. Record)

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