17.9.07

Celebrar a vida

Há um tempo, não muito, os aniversários eram os momentos de se empanturrar de salgadinhos, docinhos, bolo (quando era o preferido de chocolate), e das meninices e brincadeiras despreocupadas no beco. O engraçado é que, mesmo sendo criança, já havia um sentimento de que “algum dia sentiria muita falta daquilo tudo”. Dito e feito. Só não sabia que iria passar tão depressa.
Naquela época, reunir os amigos para a festa não era difícil tarefa. Bastava um cartãozinho colorido com data, hora e local que, certamente, a turminha estaria lá, doida para saborear os docinhos, colocar os inconfundíveis chapeuzinhos, cantar os parabéns e depois se esconder pelo quintal no delicioso esconde-esconde.
Alguns anos depois, a tarefa de reunir os amigos é quase que estressante. Natural. Cada um tem uma agenda – geralmente lotadíssima – cada um em uma cidade, com uma dificuldade diferente para dizer “não sei se poderei estar”. Normal, nesse mundo frenético que quase nos engole. Se não cuidamos, até mesmo um aniversário, aquele momento de lazer e confraternização, pode virar mais um compromisso, uma obrigação. Genteee, o mundo adulto nos suga demais!
Tentar desacelerar em época de velocidade total não é fácil… Tentemos.
E para esse próximo ano que se inicia, o meu novo ano, uma bela reflexão acerca da vida. Para celebrar cada dia, cada mês e ano com que Deus me presenteia.

“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios.” Sl 90:12
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Nem olhos viram

De repente, dou-me conta de que estou todo enrolado no cordão umbilical, agarrado na placenta; envolvido com as coisas da vida intra-uterina. E a grande descoberta caiu sobre mim como um raio: não quero nascer. Pior ainda é admitir que tenho receio desse momento. E ajo como se pudesse acrescentar um côvado ao curso de minha formação.

A metáfora do útero ajuda a perceber o ridículo. Eu, aqui, a tal ponto envolvido com as coisas desta vida, que chego a desdenhar a verdadeira, a mim prometida. Falta de fé? Claro, mas acho que se trata, também, de falta de imaginação. As pessoas têm medo de falar no assunto, assim como eu. Resultado, não nos preparamos. “Deixa ela chegar”, dizemos, sem querer pronunciar seu nome, para não “chamá-la”. Coisa de pagão.

Mas se pensarmos em nascimento, tudo fica mais fácil. Em especial para os crentes. Pois, pela graça, nasceremos vivos e sãos, não natimortos.

Este ano, começo a incentivar meu coração a trocar a morte pelo nascimento, o medo pela expectativa, o tolo desejo de postergação pela excitação da hora.

Não pretendo me alienar, no entanto. Sei que este período é de gestação, e uma boa formação, agora, me garantirá... Bem, não sei o quê, mas estou certo de que devo cuidar de “contar meus dias” intra-uterinos, para alcançar um coração sábio. Sem pressa; o Obstetra sabe a hora certa.

Vou me deixar sonhar. E já encontrei um modo. Farei um exercício de “regra-de-três”: o céu está para esta vida assim como esta vida está para a realidade de um feto. Por essa regra, começo a imaginar como será, por exemplo, a experiência com o belo. Se um grande coral masculino me arrebata, aqui, como será essa experiência quando eu nascer? Sei que, como feto, não “ouço” quase nada. Se o correr pela praia, com água gelada nos pés, me delicia, como será o “correr” de então? Se uma lasanha ao molho branco me parece pura arte (culinária), aqui, suspenso no líquido amniótico, como será a experiência equivalente, no porvir? Hoje, com minha miopia espiritual, não consigo imaginar como será o equivalente à emoção que tive ao ver o mar pela primeira vez.

Como pode um feto imaginar que usará suas perninhas para correr ou andar de bicicleta? Como vai acreditar que aquele dedão na boquinha poderá ser substituído por um sorvete de chocolate com cobertura de caramelo?

E o amor? Como poderia um projeto de gente imaginar viver (e sofrer) um grande amor? A felicidade que envolve um relacionamento apaixonado, pleno, sereno, devoto, seguro, eterno... No entanto, fomos feitos para isso: amar a Deus e gozá-lo para sempre. Seremos capazes de amar e nos deixar amar de uma forma mais plena que hoje? Essa pergunta revela que esquecemos a regra de três: a solidão da vida intra-uterina está para o colo da mamãe assim como nossos tímidos afetos de hoje estão para a plenitude do “colo de Deus”.

Sim, este ano vou sonhar com o céu. Sabendo, desde já, que essas minhas regras-de-três são ingenuidade pueril. São pensamentos naturais, porque “não é primeiro o espiritual, e sim o natural; depois o espiritual” (1 Co 15.46). Mas buscarei “a sabedoria de Deus em mistério”, oculta aos habitantes deste útero, “a qual Deus preordenou desde a eternidade, para a nossa glória”.

Este ano desejarei “o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”. Sonharei com o que “nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano” (1 Co 2.7-9).

Texto extraído do site da editora Ultimato. De Rubem Amorese, consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Igreja e Sociedade – o desafio de ser cristão no Brasil do século XXI e Icabode – da mente de Cristo à consciência moderna.
rubem@amorese.com.br

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